OS LUSÍADAS
Os Lusíadas – as edições e a censura
Quem leu e estudou OS LUSÍADAS nos anos 70 ainda se lembra desta edição…
Recuando alguns séculos, podemos chegar à 1ª edição, saída da oficina de António Gonçalves em 1572. A Avenida dos Livros proporciona-lhe uma forma de obter uma versão digital dessa preciosidade.
Como a censura estragou a Ilha dos Amores
Durante anos, os investigadores procuraram esclarecer a confusão criada pelas diferenças entre edições. Mas os detalhes tipográficos foram os menor dos males. Os efeitos da censura inquisitorial foram bem mais importantes. As duas imagens abaixo permitem comparar as estrofes 71 e 82 do Canto IX tal como consta da edição de 1572, com a a estrofe “emendada” que surge na edição de 1597.
Na versão original, temos um truque erótico da ninfa, que simula cair (“de indústria cai“) e finge indignação para disfarçar o desejo (“com mostras mais macias que indignadas“), para que o perseguidor caia sobre ela (“que sobre ela empecendo também caia“).
De uma os cabelos de ouro o vento leva,
Correndo, e da outra as fraldas delicadas;
Acende-se o desejo, que se ceva
Nas alvas carnes, súbito mostradas.
Uma de indústria cai, e já releva,
Com mostras mais macias que indignadas,
Que sobre ela, empecendo, também caia
Quem a seguiu pela arenosa praia.
Na versão censurada, a ninfa cai porque foge depressa demais (“com a pressa cai”) e tudo faz para evitar “render-se aos leves pés que a seguiam”, ao ponto de se defender pelo suicídio (“se meter nas armas”).
D´uma os cabelos d’ouro o vento leva
Que madeixas d’Arábia pareciam,
Acende-se o desejo que se ceva
De ver que mais que o Sol resplandeciam:
Outra coa pressa cai, e já releva
Render-se aos leves pés que a seguiam,
E por se assegurar de que a ofende,
Com se meter nas armas se defende:
Na estrofe 82, a censura voltou a estragar a cena…
Versão original
Já não fugia a bela Ninfa tanto,
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas mágoas que dizia.
Volvendo o rosto, já sereno e santo,
Toda banhada em riso e alegria,
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor
Versão censurada
Não foge a quem a segue a Ninfa tanto
Temida do perigo em que se via,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas magoas que dizia,
Mas por lhe enfraquecer com novo espanto
O peito ousado, o rosto atras volvia,
Mostrando-lhe no gesto um desengano,
Que não teme de força humana dano
Se leitor estiver interessado em ver por si próprio o “estrago” que a censura causou aos Lusíadas, e se tiver paciência para fazer a comparação, a Avenida dos Livros também lhe pode proporcionar o acesso a essa edição saída da oficina de Manoel de Lyra em 1597.
Obter a edição de 1597 em PDF